Preservando a Vontade de Viver

Embora possa parecer, nenhuma das experiências humanas é absolutamente em vão. Todas as experiências são, ao mesmo tempo, desafios e oportunidades, de modo a mobilizar o ser humano perante seu modo de existir, a partir de seus valores, crenças, anseios, medos e desejos, para assim viver de forma plena e significativa.

Mas o problema é que, da forma como a sociedade de constituiu ao longo do tempo e da história, incentivando o consumo frenético e degenerando a propriedade e a capacidade de reflexão e pensamento humanos, o ser humano se rendeu a transitoriedade da vida, perdeu a capacidade de pensar por si mesmo e valorizar as pequenas coisas e gestos, e ainda mergulhou, de cabeça, numa frustração existencial que culmina na ansiedade e depressão dos tempos de hoje.

Dinamizando o Sentido de Viver

Porém, o consciente resgate ao momento presente, ao aqui e agora, é o antídoto para esse cenário tão alienante prevalente. Significa dinamizar o sentido da situação, entender que a conduta de cada um interfere direta ou indiretamente na situação momentânea, e mesmo nas pessoas associadas à situação, de modo que toda e qualquer conduta importa. E importa porque, conscientemente, o ser humano pode escolher que importe, vivendo o momento, e consagrando esse momento no passado, como uma lembrança decisiva do seu próprio caráter, e um testemunho dos vínculos formados na vida.

Assim, um passeio no parque deixa de ser algo banal, um ato de caridade deixa de ser apenas um mecanismo de compensação, os laços de amizade ganham uma dimensão maior do que àquela fundamentada apenas na conveniência. Os chamados ‘persuasores ocultos’ termo eludido por aqueles que acham que tudo é fruto do inconsciente e dos desejos primitivos, são obliterados pela ideia de que o ser humano, e sua capacidade de escolher, é suprema mediante qualquer contexto ou condicionante. Na configuração sistemática da sociedade atual, é improvável para alguém ter um vislumbre disso tudo, e esse artigo traz a missão de ultrapassar essa barreira.

 

Exemplo

E para ilustrar esse argumento, virá abaixo uma entrevista que o patrono da Logoterapia, Viktor Emil Frankl, fez com uma senhora que tinha 80 anos à época, chamada Anastasia Kotek (Trecho retirado do livro ‘A vontade de Sentido: Fundamentos e Aplicações da Logoterapia’, de Frankl):

 

A Entrevista – O Viver no seu ápice (Parte 1)

Frankl: O que lhe vem à mente, quando a senhora olha para o seu passado? A senhora teve uma vida boa?

Paciente: Bem, doutor, eu devo dizer que tive uma boa vida. A vida, de fato, me foi agradável, e eu agradeço a Deus por tudo o que Ele me concedeu. Eu frequentei teatros, fui a concertos e assim por diante. Sabe, doutor, eu costumava ir a tais lugares com a minha família em cuja casa trabalhei por muitos anos como governanta, em Praga, e depois em Viena. E por causa de todas essas experiências maravilhosas, eu sou muito grata ao Senhor (Deus).

(Eu – No caso Frankl – no entanto, sentia que ela estava incomodada a respeito da existência de um sentido último da vida dela como um todo, e procurei trabalhar esses seus questionamentos. Mas, antes, eu devia trazê-los à tona, para, depois, confrontá-los, da mesma forma como Jacó fez com o anjo até este o abençoar: era desse modo que eu queria confrontar o desespero existencial reprimido de minha paciente, até que ela pudesse “abençoar” a própria vida, e dizer “sim” à vida, apesar de tudo. Logo, meu trabalho consistiu em conduzi-la a questionar o sentido da vida no nível consciente, e não reprimir tais dúvidas.)

Frankl: É, você fala de algumas experiências maravilhosas; mas tudo vai acabar agora, não é mesmo?

Paciente: (Pensativa) É, tudo chega ao fim…

Frankl: Você acha que todas essas coisas boas que você viveu também serão destruídas?

Paciente: (Ainda mais pensativa) Todas essas coisas maravilhosas…

 

A Entrevista – O Viver no seu ápice (Parte 2)

Frankl: Mas, diga-me: você acha que alguém pode desfazer essa felicidade que você experimentou? Será que alguém pode apaga-la?

Paciente: Não doutor, ninguém pode apaga-la!

Frankl: Ou será que alguém pode apagar a bondade que você encontrou nas pessoas ao longo de sua vida?

Paciente: (Emocionando-se cada vez mais) Ninguém pode apagar!

Frankl: Tudo o que você conquistou, tudo o que você conseguiu.

Paciente: Ninguém pode apagar!

Frankl: Ou tudo aquilo que você sofreu, brava e honestamente: será que alguém pode remover isso do mundo – fazer desaparecer tudo isso de seu passado, onde essas experiências estão guardadas?

Paciente: (Agora, às lágrimas) Ninguém pode apagar isso! (Pausa) É verdade, eu sofri muito, mas também tentei ser corajosa e firme para enfrentar os meus problemas. Mas sabem doutor, eu vejo meu sofrimento como uma punição. Eu acredito em Deus.

 

A Entrevista – O Viver no seu ápice (Parte 3)

(Em si mesma, a logoterapia é uma abordagem laica de problemas clínicos. No entanto, quando um paciente traz, por si mesmo, a convicção de uma crença religiosa, não pode haver objeção quanto ao uso do alcance terapêutica de sua fé religiosa, o que, por consequência, acaba por mobilizar, também, seus recursos espirituais. Para alcançar tal fim, o logoterapeuta precisa procurar pôr-se no lugar do paciente. Foi isso que eu tentei fazer a seguir).

Frankl: Mas, será que, às vezes, o sofrimento não é um desafio? Não seria concebível pensar que Deus quis ver como Anastasia Kotek o suportaria? Talvez, devendo até admitir: “é, ela o suportou bravamente”. Agora me diga: pode alguém remover tal conquista do mundo, senhora Kotek?

Paciente: Certamente, ninguém pode!

Frankl: As realizações permanecem, não é mesmo?

Paciente: Permanecem!

Frankl: A propósito, a senhora não teve filhos, teve?

Paciente: Não, não tive.

Frankl: Bem, o que a senhora acha; a vida só tem sentido quando se pôde ter um filho?

Paciente: Bom, se forem bons filhos, porque não considerar isso uma bênção?

 

A Entrevista – O Viver no seu ápice (Parte 4)

Frankl: Certo; mas a senhora não deve esquecer que, por exemplo, o maior filósofo de todos os tempos, Imannuel Kant, não teve filhos; mas será que alguém duvidaria da vida plena de sentido que ele teve? Se os filhos constituíssem um único sentido para a vida, a vida mesma se tornaria sem sentido, porque levar adiante a procriação de algo que, em si mesmo, não tem sentido, certamente seria a mais sem-sentido das ocupações. O que importa na vida é, muito mais, a realização, a conquista de algo, e foi isso, precisamente, o que você fez.

Você tirou o melhor dos seus sofrimentos. Você se tornou um exemplo para nossos pacientes devido ao modo mediante o qual você tem encarado os seus sofrimentos. Eu quero parabeniza-la por essa conquista, cumprimentando, também, os outros pacientes que tiveram oportunidade de testemunhar o seu exemplo. (Agora, dirigindo-me aos estudantes que assistiam a entrevista): Ecce homo! (A plateia se entusiasma com uma salva espontânea de aplausos). Esses aplausos são para você, senhora Kotek. (Ela, com lágrima nos olhos). Esses aplausos dizem respeito à sua vida, que mostrou ser uma grande conquista. Orgulhe-se disso, senhora Kotek. Tão poucas são as pessoas que podem se orgulhar da própria vida… Eu diria que sua vida é um monumento, e ninguém pode apagar isso do mundo.

Paciente: (Recompondo-se) O que você disse, professor Frankl, me é um grande consolo e me conforta, profundamente. Na verdade, eu nunca tive oportunidade de ouvir algo assim… (Devagar e calmamente, ela deixa a sala de conferências).

O Resgate e a Escolha de Viver

Nessa entrevista com a senhora Kotek, diante de uma plateia, Frankl resgata uma paciente, desolada por seu triste fim mediante uma doença terminal, de terminar seus últimos dias em desespero mediante uma depressão estabelecida pela melancolia do fim de sua vida, a qual estava atormentada pelos seus próprios questionamentos a respeito de sua vida ter sido, ou não, significativa. Frankl teve a sensibilidade de detectar e evocar os maiores temores da paciente, e a partir deles, preencher as lacunas que separavam a senhora Kotek do sentimento notável de realização a respeito de sua vida.

E ele fez isso evocando a ideia de que àquilo que consagramos no passado, que damos a devida lembrança e valor no momento presente a partir do que vivenciamos, nunca se apaga, não importa quanto tempo passe ou o quanto a lembrança das pessoas perdure… àquilo que vivenciamos, principalmente o sofrimento que atravessamos com coragem, representa um legado não somente para os que estão vivos, mas também para a eternidade, visto que, no caso da senhora Kotek, existe toda a força de sua fé que subsidia essa prerrogativa.

Por isso, cada momento, cada situação, só se rende a transitoriedade, ao marasmo, ao inútil, se deixarmos isso acontecer. Mesmo o sofrimento, pode ser transformado, a medida que o tempo passa, se pudermos empregar humor e heroísmo a nossas vidas.

 

Conclusão

A senhora Anastasia Kotek pôde ir de encontro à morte com o sentimento de que sua vida teve sentido, e de que suas atividades não foram em vão, sintetizada nas palavras de Frankl como ‘monumento’. E nós, que não estamos em estamos em uma situação como essa, podemos e temos a oportunidade de reencontrarmos então a vida, pois nada é mesmo em vão, em qualquer situação. Tudo acontece por uma razão e, sem dúvidas, o primeiro passado para preservar a vontade de viver, é compreender que, na dinâmica da vida, podemos fazer a diferença no menor gesto, mesmo que seja contemplar a beleza de um pôr do sol com a pessoa mais amada, e poder relembrar disso pela eternidade.

 

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